Muitos artigos que li sobre instinto tratam-no como se fosse sinônimo de intuição, o que levou a uma definição popular comum aos dois: uma impressão ou pressentimento que parece verdadeiro, mesmo na ausência de um raciocínio lógico.
A exploração da tomada de decisão humana e dos papéis desempenhados pela intuição e pelos instintivos é um trabalho interdisciplinar, envolvendo campos tão variados quanto psicologia, neurociência, ciência da educação e antropologia. Cada disciplina aborda o tema de sua perspectiva única, empregando terminologias distintas e chegando às suas próprias conclusões. Essa diversidade enriquece nossa compreensão, embora frequentemente agrupe o não-lógico, o não-racional e o subconsciente sob o termo genérico de intuição. Aqui, compartilharei alguns ideias-chave para desmistificar a intuição, oferecendo maneiras de aproveitá-la e refiná-la.
Instinto
Um instinto, frequentemente sentido como uma reação visceral, surge de nossa compreensão instintiva de que algo está correto ou não, ou que uma certa escolha precisa ser feita. Essa experiência é sustentada por um sofisticado sistema de comunicação entre o intestino e o cérebro. O sistema nervoso entérico, também conhecido como o “segundo cérebro”, é uma intrincada rede de neurônios que reveste nosso trato gastrointestinal e envia sinais ao cérebro, desempenhando um papel significativo na formação de nossas emoções. Por outro lado, a amígdala — uma área do cérebro que faz parte do processamento emocional — pode provocar uma reação física no corpo antes mesmo que a mente consciente tenha tido a chance de compreender completamente uma situação. Essa troca dinâmica de informações é o que dá origem ao fenômeno que conhecemos como instinto, exemplificando a complexa interação entre nossos estados fisiológicos e experiências emocionais.
Essas respostas instintivas podem ter servido a um propósito evolutivo, ajudando nossos ancestrais a tomar decisões rápidas diante do perigo. Por exemplo, um sentimento de desconforto ao encontrar um estranho pode ser um instinto ancestral que nos leva a ter cuidado. Embora não forneçam soluções precisas, os instintos podem oferecer uma direção geral ou nos alertar sobre riscos potenciais, influenciados por nossos vieses e estados emocionais. Em momentos que exigem ação rápida, confiar nesses sinais instintivos pode ser vantajoso.
Intuição como Reconhecimento de Padrões
A intuição é um conceito abrangente que envolve uma compreensão ou conhecimento imediato sem um processamento consciente da informação. Diferente dos instintos impulsionados pela emoção, a intuição se manifesta através de um senso de saber, um insight ou uma clareza repentina.
Ao longo de nossas vidas, acumulamos uma riqueza de conhecimentos e experiências que nem sempre estão ativas em nossos pensamentos, mas residem em nosso subconsciente. Esse reservatório de informações molda nossa tomada de decisão intuitiva, atuando como um sistema rápido de reconhecimento de padrões, que se baseia em nosso conhecimento prévio acumulado para informar nossas escolhas.
Esse processo pode levar a decisões que parecem inerentemente corretas sem uma explicação consciente. Considere um médico experiente que intui um diagnóstico antes que todos os testes sejam conclusivos, reconhecendo padrões de casos anteriores. A intuição, alimentada por uma variedade de aprendizados e encontros anteriores, pode ser um guia confiável, especialmente em situações familiares. No entanto, é falível, pois pode ser influenciada por vieses subconscientes enraizados em nossa interpretação pessoal dessas experiências.
Intuição Linear e a Ciência da Meditação
A intuição linear, conforme conceituada na antiga filosofia hindu, transcende o terreno familiar da percepção baseada na experiência e no reconhecimento subconsciente de padrões. Sugere uma habilidade de acessar uma fonte de conhecimento profundo — uma forma de conhecimento direto que, frequentemente, traz percepções totalmente novas.
Acessar essa forma de intuição está intimamente ligado à prática da meditação, também conhecida como ‘dhyána’ em sânscrito. O objetivo aqui é estabilizar o constante burburinho da mente, transcender o sensorial e o cotidiano, e entrar em um estado de concentração profunda. Nesse estado, as flutuações da mente são aquietadas, exceto por um foco único e imutável.
Do ponto de vista da neurociência moderna, o fenômeno da intuição linear permanece enigmático, mas observou-se que a meditação promove mudanças mensuráveis no cérebro:
- Abstração sensorial: O estado meditativo é caracterizado por um afastamento do impulso de agir, à medida que a conexão com os órgãos sensoriais diminui. A atenção está presente, mas não está fixada nos dados sensoriais. Neurologicamente, isso se correlaciona com uma taxa de disparo reduzida nas vias tálamo-corticais, indicando uma redução no processamento de informações sensoriais e motoras.
- Foco interno: A atividade na rede de modo padrão, associada ao devaneio e ao pensamento autorreferencial, é reduzida durante a meditação. Essa rede é frequentemente ativa durante o repouso e é conhecida por desativar-se ao engajar-se em tarefas cognitivas específicas. Simultaneamente, a rede de saliência, incluindo regiões como o córtex cingulado anterior e a ínsula, torna-se mais ativa, destacando a importância das sensações internas como a respiração (que pode ser um ponto de foco durante a meditação). Isso é complementado pelo engajamento de regiões da rede de controle, como o córtex pré-frontal dorsolateral, que facilitam o foco sustentado nessas sensações.
- Padrões de ondas cerebrais alterados : A meditação é marcada por um aumento na atividade das ondas cerebrais alfa e theta, refletindo um estado de relaxamento e engajamento mental profundo, respectivamente. A proficiência na meditação está correlacionada com uma atividade aumentada das ondas teta nas regiões frontais, indicando um estado meditativo profundo.
Praticantes avançados mostram sinais de maior eficiência neural, evidenciada por uma troca mais eficaz entre estados de conectividade cerebral. Isso reflete uma habilidade refinada de focar a atenção e resistir à distração.
Em resumo, enquanto as tradições antigas exaltem o profundo potencial da intuição acessada através de estados meditativos, a ciência está começando a desvendar os aspectos neurais dessas experiências. A mente, durante a meditação, não está ociosa nem engajada na cognição ordinária, mas em um estado único de consciência que pode fomentar o surgimento de novas percepções intuitivas. Isso está de acordo com a visão tradicional de que a intuição oferece um tipo diferente de conhecimento, acessado não através do esforço intelectual, mas através de uma sintonização profunda com o eu e o universo.
Einstein é frequentemente citado por sua abordagem à resolução de problemas, que incluía períodos de contemplação não-racional. As suas observações são famosas:
Esses pensamentos estão de acordo com a ideia de que entender o funcionamento de nossa mente pode nos capacitar a otimizá-la. O conhecimento pode emergir de várias vias, enriquecendo nossas faculdades mentais, emocionais e intuitivas. Ao praticar a atenção plena, tornamo-nos sintonizados com nossos sentimentos instintivos, padrões subconscientes e insights espontâneos, aprendendo a distinguir entre intuição e emoção. Essa consciência elevada permite que nosso intelecto explore soluções novas e se beneficie de todo o espectro das nossas capacidades cognitivas, levando a uma tomada de decisão mais informada.
Práticas para iniciantes
Para os principiantes em práticas meditativas, recomendo começar com exercícios simples de mindfulness. Essas técnicas envolvem focar inteiramente em uma tarefa de cada vez. Por exemplo, durante um exercício físico, você pode se concentrar nos músculos que está engajando; ou na hora das refeições, sentir os sabores e texturas de sua comida. Integrar o mindfulness nas atividades diárias pode aguçar sua consciência corporal.
Se você está pronto para mergulhar mais fundo no aprimoramento de suas habilidades intuitivas, que podem aumentar a clareza, criatividade e capacidade de resolução de problemas, a meditação pode ser uma ferramenta poderosa. Aqui estão três práticas acessíveis para começar:
Encontre uma posição confortável com a coluna alinhada, braços relaxados e mãos descansando nas pernas, e feche os olhos suavemente:
- Foque na sua respiração. Observe o ritmo natural da sua inspiração e expiração sem tentar alterá-lo.
- Selecione uma peça de música instrumental e mergulhe na sua harmonia. Escolha um único instrumento para seguir e mantenha seu foco apenas no som dele.
- Visite um lugar com uma vista panorâmica (como montanhas, um lago ou um nascer ou pôr do sol cênico) e simplesmente contemple a extensão da paisagem. Escolha um elemento dentro da cena, como o sol, e mantenha sua atenção fixa nele. Alternativamente, você pode fechar os olhos e manter o foco na imagem mental.
Mantenha o exercício por 5 minutos ou mais. A mudança na percepção pode ocorrer rapidamente para alguns, enquanto outros podem precisar de mais tempo e prática. A chave é a consistência; quanto mais você pratica, mais aguçada se torna sua consciência.
Incentivo você a experimentar essas técnicas e compartilhar suas experiências. Estou ansiosa para discutir isso mais a fundo em um próximo artigo.
Referências:
Da Silva, S. System 1 vs. System 2 Thinking. Psych 2023, 5, 1057–1076.
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Craycroft K. Connecting the mind and body: Using embodied intuition as intelligence. Bachelor’s Thesis, Faculty of Sport and Health Sciences, University of Jyväskylä, 2022.
Tripathi V. and Bharadwaj P. Neuroscience of the yogic theory of consciousness, Neuroscience of Consciousness 2021.
Ganesan S. et al. Focused attention meditation in healthy adults: A systematic review and meta-analysis of cross-sectional functional MRI studies. Neurosci Biobehav Rev. 2022.
DeRose. Meditation and Self-Knowledge. Editora Egregora, 2019. English. Português- Français.